O oceano e as lágrimas divinas

Houve um tempo em que os demônios venceram os deuses e, por vários milênios, regularam, esculhambaram e zombaram sobre as leis e o funcionamento do universo. Neste dramático período universal, muitos deuses, desolados e desesperançados, arrastavam-se diariamente sem eira, nem beira. Andavam catatônicos pelos jardins do paraíso. Resmungando e reclamando sobre as injustiças do mundo. Todas as noites, era possível escutar seus silenciosos choramingos e, pelas manhãs, suas camas empapadas pelas lágrimas que jorravam de suas aflições. 

Um dedicado e cuidadoso anjo que trabalhava no castelo divino, todos os dias, recolhia as lágrimas deíficas e as guardava num pote sólido, hermético e imensurável. 

Após muito tempo, o exército divino recuperou forças, reforçou alianças e, numa homérica batalha, desterrou os demônios da administração do mundo. 

Como resultado, a arquitetada estabilidade, a imparcialidade e a justiça haviam retornado ao sistema que rege o todo. 

Então, eufóricos e extasiado pela magnânima vitória, os deuses resolveram criar um novo planeta para simbolizar tão importante e belo momento. Assim nasceu a terra. Da mais auspiciosa e sublime exaltação divina. 

E, durante o processo de materialização, o abnegado anjo, um pouco travesso, um pouco coerente, deixou verter o líquido lacrimoso desde as alturas para que caísse sobre o novo astro. Assim se formaram os oceanos. 

Desde então, toda a vez que um ser humano banha-se na salgada água do mar, ele tem a oportunidade de sentir um pouco da intensa tristeza que assolou os corações divinos durante milênios. Talvez seja por isso que os oceanos tenham essa indelével capacidade de acalmar, de acariciar e de adornar a alma humana, pois ele entende o que é sofrer sem esperanças, padecer sem luzes e aguentar a dor até que a cura apareça. (Tadany – 13 11 11) 

PS: Para citar este texto: 

Cargnin dos Santos, Tadany. Contaram-me 47. www.tadany.org ®